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O crescimento do comércio de espécies selvagens na Amazônia legal é documentado em novo relatório

  • A atenção ao comércio de animais selvagens tem se concentrado, recentemente, na África. Mas um novo relatório revela a intensificação do comércio internacional legal de plantas e animais nas oito nações amazônicas. O relatório não analisou o comércio ilegal, cujo alcance é totalmente desconhecido.

  • A indústria de US$ 128 milhões exporta 14 milhões de animais e plantas anualmente, mais um milhão de quilogramas de peso, incluindo peles de jacaré e de porcos-do-mato para a indústria da moda, tartarugas vivas e papagaios para o comércio de animais de estimação e o pirarucu para a indústria de alimentos.

  • Os autores do relatório observam que esse comércio, conduzido adequadamente, pode trazer benefícios para as economias nacionais, meios de subsistência para as populações e até para a vida selvagem – os animais criados em cativeiro, por exemplo, podem fornecer aos cientistas dados vitais para sustentar as populações selvagens.

  • O relatório enfatiza a necessidade de monitorar, regular e fazer cumprir os níveis sustentáveis de coleta de animais selvagens e plantas se o comércio legal continuar a prosperar, e que as florestas e rios amazônicos não devem ser esvaziados de sua vida selvagem.

Pele de jacaretinga (Caiman crocodilus) é o produto da vida selvagem de maior valor comercial saindo da Amazônia. Cerca de 800 mil peles são exportadas anualmente, principalmente de centros de criação em cativeiro na Colômbia. Os principais importadores são Cingapura, Tailândia e México. Esta é uma das conclusões do novo relatório que analisa o comércio de espécies listadas na CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção) dos países amazônicos pela primeira vez. Foto de Kevin Law publicada sob a CC BY-SA 2.0 license

O multimilionário comércio legal de espécies selvagens provenientes dos países amazônicos foi analisado em detalhe pela primeira vez. Um novo relatório produzido pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação do Meio Ambiente da ONU (UNEP-WCMC), localizado no Reino Unido, identifica as principais rotas de exportação de milhões de animais e plantas — desde papagaios vivos e peles de jacarés até orquídeas — sendo negociadas em todo o mundo.

O relatório abrange todo o comércio legal de espécies amazônicas — incluindo animais selvagens capturados e criados em cativeiro — no valor de US$ 128 milhões ao ano. As exportações chegam a 14 milhões de indivíduos, além de um adicional de 1000 toneladas (mais de 2,2 milhões de libras), que incluem peles de crocodilo e porcos-do-mato para a indústria da moda, tartarugas vivas e papagaios no comércio de animais de estimação e o pirarucu, um peixe grande de água doce, para a indústria alimentícia. O volume de negócios flutuou em resposta às tendências de mudanças, às circunstâncias financeiras e à legalização de vários aspectos do comércio nos mercados asiáticos, europeus e norte-americanos.

Pablo Sinovas, principal autor do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e do Centro Mundial de Monitoramento e Conservação (PNUMA-CMMC), afirma que o trabalho abordou uma lacuna de informações apontada pelos governos da região amazônica. Esta opinião foi compartilhada por Richard Thomas, da ONG TRAFFIC (Rede de Monitoramento do Comércio de Vida Selvagem), que explicou que “o maior foco nos últimos anos tem sido nos fluxos comerciais entre Ásia e África, enquanto que o importante eixo de comércio nas Américas, especialmente a América Latina, tem sido em grande parte negligenciado”. Thomas percebeu positivamente o relatório que considerou “uma tentativa valiosa de analisar e interpretar os grandes volumes de comércio de espécies listadas na CITES”.

O comércio do tracajá, as tartarugas fluviais amarelas da Amazônia (Podocnemis unifilis) “disparou” de acordo com o principal autor do relatório, Pablo Sinovas. Até 300.000 tartarugas vivas são exportadas anualmente para serem comercializadas como animais de estimação. “Este nível de exportação é apoiado por programas ativos de conservação e uso sustentável na Amazônia peruana, onde as comunidades locais” criam “essas espécies”, disse Sinovas. Foto por Charlesjsharp publicada sob licença CC BY-SA 4.0

A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES) – um tratado entre 183 participantes (182 países e a União Europeia) – existe para garantir que as espécies ameaçadas não sejam exploradas acima de limites aceitáveis. As espécies listadas pelo CITES devem ser negociadas dentro de limites sustentáveis de acordo com o fator de risco de cada espécie, com todas as exportações divulgadas nacionalmente. O novo relatório compilou os dados das oito nações amazônicas — Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela – no período entre 2005 e 2014.

O item mais negociado individualmente foram as peles da Jacaretinga (Caiman crocodilus), com uma média de 770.000 peles exportadas ao ano. Provenientes, principalmente, de centros de criação em cativeiro na Colômbia; sendo que Cingapura, México e a Tailândia são os principais importadores, segundo o relatório.

O tracajá, a tartaruga do rio Amazonas (Podocnemis unifilis), foi outro importante produto de exportação, enviado para Hong Kong e China. O comércio desta espécie, que é listada como vulnerável pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), “disparou,” de acordo com Sinovas, com exportações anuais atingindo até 300.000 indivíduos. “Este nível de exportação é sustentado por programas ativos de conservação e uso sustentável na Amazônia peruana, onde as comunidades locais “criam “essas espécies”, disse Sinovas. Os ovos (que têm uma alta taxa de mortalidade natural) são coletados, protegidos em praias artificiais para maximizar o número de crias, e depois exportados, enquanto alguns dos filhotes criados em cativeiro são devolvidos à natureza para reabastecer as espécies, explicou Sinovas.

O novo relatório, elaborado pelo PNUMA-WCMC, descobriu que 14 milhões de indivíduos e 1000 toneladas de mercadorias são negociados legalmente a cada ano, em uma indústria que rende US$ 128 milhões ao ano. Este número mostra as principais rotas de comércio e os principais grupos de commodities que fluem ao longo delas. Os grupos são ordenados por volume de negócios e as fontes sombreadas (preto:> 75 por cento selvagem, cinza escuro: 25-75 por cento selvagem, cinza claro: <25 por cento selvagem). A largura da seta indica volumes relativos. Este gráfico é cortesia da UNEP-WCMC

Outras das principais exportações incluem peles de porcos-do-mato (41.000 ao ano, principalmente a dos caititus, o Pecari tajacu) e lã de vicunha (Vicugna vicugna), a maior parte destinadas à indústria da moda europeia. As tartarugas vivas, os lagartos, as cobras, os sapos ponta-de-flexa, os papagaios e as jacaretingas foram todos exportados para serem comercializados como animais de estimação.

O Pirarucu (Arapaima gigas), um grande peixe de água doce, foi negociado tanto como espécie ornamental quanto como carne. Nos últimos anos, as exportações anuais de 30 mil peixes originários do Peru, para aquários em Hong Kong e de 100 toneladas (220,462 libras) de carne do Peru e do Brasil destinados ao comércio e aos restaurantes nos Estados Unidos.

As orquídeas — 150.000 plantas por ano, quase todas cultivadas artificialmente no Brasil, Equador e Venezuela — e a madeira de mogno foram os principais produtos encontrados no mercado.

De acordo com Sinovas, são especialmente notáveis, os “volumes relativamente altos de papagaios, répteis e anfíbios de origem selvagem exportados da Guiana e do Suriname”. Ele explicou que as grandes áreas de florestas intocadas que existem nesses países têm “potencial de acolhimento de substanciais populações das espécies exploradas”. No entanto, embora este comércio seja legal, é importante notar que os dados das populações, e as informações que determinam o nível de coleta sustentável ao longo do tempo são, muitas vezes, inexistentes, afirmou Sinovas. Mas, sem esses dados, há sempre o risco da captura excessiva.

Sapo ponta-de-flecha amarelo e preto. Sapos vivos, junto com tartarugas, papagaios, cobras e jacarés, foram exportadas dos países amazônicos para o comércio de animais de estimação. Foto de Rhett A.Butler / Mongabay

Outra importante tendência documentada no relatório foi o desenvolvimento do comércio de espécies provenientes de países onde não são nativas, muitas vezes devido à proibição do comércio nos países de origem. Segundo Sinovas, isso inclui “papagaios nativos da Amazônia, sendo produzidos e exportados pela África do Sul, [e] plantas suculentas (como os cactos) nativas de países amazônicos sendo cultivadas e exportadas pelo Quênia. Algumas destas espécies são endêmicas em um único país”. Thomas argumenta que este tipo de comércio “levanta questões relacionadas ao acesso e aos benefícios do compartilhamento de recursos biológicos, que são também abordados no estudo”. Uma das recomendações do relatório é que os países amazônicos considerem as implicações e oportunidades que o comércio não-nativo representa, incluindo o potencial de “repatriação de conhecimento sobre as técnicas de criação ou biologia que possam ter sido desenvolvidas no exterior”.

Outras recomendações incluem a necessidade de documentação das práticas de manejo que resultam em meios positivos de subsistência e impactam na preservação, a identificação das espécies adicionais que podem precisar de inclusão na lista do CITES e o desenvolvimento da rastreabilidade ao longo das cadeias de suprimentos. A coleta e o compartilhamento de informações e conhecimentos em toda a região, sobre as melhores práticas de gestão na preservação das populações selvagens saudáveis, também é recomendada.

Segundo dados do relatório, são exportados em média 12.000 papagaios vivos a cada ano, 56 espécies foram negociadas no total. O papagaio-de-asa-laranja (Amazona amazonica) e a arara azul e amarela (Ara ararauna) na foto, foram as espécies mais negociadas de papagaios. Foto por Luc Viatour /https://Lucnix.be publicada sob uma licença CC-BY-2.0

Embora o comércio ilegal não tenha sido o foco do relatório, as suas conclusões podem ser usadas para identificar áreas onde tráfico ilícito pode se tornar um problema. “Se é alta a demanda para uma determinada espécie, pode haver a tentação em se exceder as cotas de coleta, ou de se ignorar os impostos pertinentes ou de se usar licenças fraudulentas”, explicou Thomas.

O relatório também sinaliza o registro de dados de tendências de aumento drástico no comércio, ou aumento no risco para espécies sob ameaça. Isto foi visto, por exemplo, no caso da ameaça a tartaruga da floresta (Chelonoidis denticulatus), que teve um aumento acentuado de exportações de indivíduos vivos na Guiana e do sapo garimpeiro (Dendrobates tinctorius), cuja preservação não é uma preocupação no momento, mas que é comercializado em larga escala no Suriname. Tais casos podem exigir uma maior ação regulatória dos governos para garantir níveis sustentáveis de comercialização.

Tanto Sinovas quanto Thomas concordam que o comércio de espécies selvagens pode trazer benefícios reais, tanto para os países envolvidos e, potencialmente, para as espécies também — mas apenas se determinados desafios regulatórios e sua aplicação puderem ser vencidos. “A manutenção do comércio em um ambiente legalizado e bem gerido, tem potencial para proporcionar enormes benefícios econômicos a países sul-americanos indefinidamente”, afirma Thomas. O comércio de animais silvestres “cria a possibilidade de incentivo para a conservação dessas espécies e dos habitats associados,” acrescentou Sinovas.

Nos últimos anos, as exportações anuais de 30 mil peixes originários do Peru para aquários em Hong Kong e de 100 toneladas (220,462 libras) de carne do Peru e do Brasil destinados ao comércio e aos restaurantes nos Estados Unidos. Foto por Charlesjsharp uso sob licença CC BY-SA 2.0.

Os desafios da Amazônia incluem a falta de uma base de dados para algumas espécies ou regiões, como no caso dos papagaios e répteis exportados da Guiana e Suriname. Os espécimes criados em cativeiro eliminam essa preocupação, mas trazem seus próprios problemas. Sinovas completa que “especialmente, a dissociação entre os benefícios econômicos e os habitats de vida selvagem/natural, potencialmente removendo incentivos a preservação requer um equilíbrio cuidadoso.”

A fiscalização e o policiamento do comércio de animais selvagens, para garantir que seja mantida dentro de níveis legais e sustentáveis — a regulação e a fiscalização frequentemente inadequadas nos países sul-americanos — são algumas das prioridades fundamentais que precisam ser abordadas e atendidas com recursos adequados pelos governos, afirma Thomas. “A falha nessas ações pode levar à perda irreversível de recursos naturais”, ele conclui.

Citações:

Sinovas, P., Price, B., King, E., Hinsley, A. and Pavitt, A. 2017. Wildlife trade in the Amazon countries: an analysis of trade in CITES listed species. Technical report prepared for the Amazon Regional Program (BMZ/DGIS/GIZ). UN Environment – World Conservation Monitoring Centre, Cambridge, UK.

Lã de Vicunha (Vicugna vicugna) é um importante produto de exportação de nações amazônicas que também englobam habitat andino, como Peru e Bolívia, com a lã destinada para os mercados europeus da moda. Foto por qiv no Flickr usado sob uma CC BY-SA 2.0 licença
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