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O Código Florestal Brasileiro não consegue reduzir o desmatamento?

  • O engajamento com o sistema de registro de terras, que é a base do Código Florestal, foi alto a princípio, mas os pesquisadores descobriram que apresentava pouco impacto na quantidade de desmatamento ilegal.

  • Apenas 6% dos agricultores entrevistados disseram que estavam ativamente restaurando partes desmatadas de suas terras, enquanto 76% disseram que só fariam isso se fossem forçados pelas autoridades.

  • Após despencarem substancialmente no final de 2000, as taxas de desmatamento estão mais uma vez em ascensão, atingindo seus níveis mais altos desde 2008 no ano passado.

O Código Florestal Brasileiro, um conjunto de leis aprovado em 2012 para proteger as vastas paisagens arborizadas do país, levou consigo a promessa de cessar o desmatamento ilegal e continuar a trajetória do país rumo ao desmatamento cada vez menor.

As leis foram estabelecidas em torno de um sistema para registrar agricultores com reivindicações de terras florestais em áreas como a Amazônia e o Cerrado mais seco. Mas, apesar do entusiasmo inicial pelo sistema de registro, o progresso está em grande parte paralisado, com incentivos escassos para encorajar os agricultores a pararem o desmatamento e pouquíssimas repercussões para aqueles que violam a lei, de acordo com as novas pesquisas.

Uma vaca pastando em uma planície desmatada no Brasil. Foto de Rhett A. Butler..

Os fundamentos do Código Florestal têm “um grande potencial para reduzir os custos de monitoramento e descobrir quem está cumprindo com o Código Florestal”, disse Marcelo Stabile, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) em Brasília e coautor do estudo, publicado on-line em 3 de julho pela revista científica Proceedings of the National Academies of Science.

Mas agora, as leis estão provando-se insuficientes. “Existem melhores maneiras de utilizar essa ferramenta que poderia fazer cumprir suas promessas”, acrescentou.

Para ter uma melhor ideia de como esses registros afetam o desmatamento ilícito, Stabile e seus colegas analisaram os estados brasileiros do Mato Grosso e do Pará, que possuem grandes extensões da floresta amazônica. Eles também têm seus próprios registros de terra rural, conhecidos pela sigla CAR (Cadastro Ambiental Rural), com suas origens que remontam ao final da década de 1990. Mesmo com essa história, poucos cientistas analisaram se esses registros ajudam a reduzir o desmatamento.

A ideia por trás do registro de terra é direta: ao classificar quem é responsável por quais pedaços de terra, as autoridades podem acompanhar quaisquer mudanças nesses lotes. Se encontrarem desmatamento ilegal usando imagens de satélite, os funcionários podem então identificar o proprietário e emitir uma multa pelo correio.

Um bloco de floresta limpa para agricultura no Brasil. Foto de Rhett A. Butler.

A princípio, no Pará e no Mato Grosso, os proprietários de terras se inscreveram de imediato. Nos dois estados, o registro é obrigatório e participar foi uma forma dos agricultores mostrarem “evidência de conformidade ambiental”, um requisito legal para ser elegível para taxas de juros mais baixas oferecidas com empréstimos públicos pelo banco central do Brasil.

No entanto, quando os pesquisadores rastrearam o desmatamento em terras registradas versus não registradas – cobrindo quase 50 mil propriedades no total – descobriram que participar do registro não necessariamente diminuiu a quantidade de desmatamento ilegal que ocorreu.

De acordo com o Código Florestal, 80% das terras privadas na Amazônia e 20 a 35% no Cerrado devem ser protegidas. Interferir nas porções requeridas de vegetação nativa constitui desmatamento ilegal.

Em teoria, essa abordagem minimiza os custos de monitoramento e fiscalização, e espera-se que reduza as taxas de desmatamento.

“Isso não estava realmente acontecendo o tempo todo”, disse Raoni Rajão, analista de políticas ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais e coautor do trabalho. Comentou que eles não encontraram “nenhum efeito sistemático” do registro, em especial para fazendas de médio e grande porte. Embora possa haver um menor desmatamento dentro das propriedades registradas em um ano, o próximo ano verificaria menor desmatamento em propriedades fora do CAR.

“O sistema basicamente perdeu seu apelo e efeito dissuasivo”, disse Rajão.

“É como um radar de trânsito”, acrescentou. “Você pode reduzir sua velocidade ao passar por ele, [mas] então você começa a perceber que ele está quebrado e que todos estão passando acima do limite de velocidade”.

Floresta fragmentada pelo desmatamento para a agricultura no Brasil. Foto de Rhett A. Butler.

As autoridades, por sua vez, estavam preocupadas com o fato de que a aplicação opressiva de multas aos proprietários de terras registrados poderia “afugentar as pessoas do registro”, explicou Rajão.

Além de cessar o desmatamento, o Código Florestal requer a restauração de terras previamente desmatadas. Mas os pesquisadores descobriram que os custos para isso eram proibitivamente elevados para a maioria dos produtores. Além disso, era improvável que enfrentariam sanções se ignorassem essa parte da lei. As pesquisas realizadas revelaram que apenas 6% dos agricultores em ambos os estados estavam tentando ativamente compensar o desmatamento anterior em suas terras. Três quartos dos agricultores com quem falaram disseram que só restaurariam partes de sua propriedade se as autoridades os obrigassem a fazê-lo.

À medida que o governo federal do Brasil começou a lançar seu próprio registro, enfrentou problemas semelhantes. Em agosto de 2016, cerca de 3,7 milhões de propriedades foram registradas e o objetivo é chegar a 5 milhões até o prazo de dezembro de 2017. Mas Rajão apontou que foi difícil superar o que se tornou uma “posição confortável” tanto para os proprietários de terras quanto para o governo.

Informou que os agricultores geralmente veem “apenas as boas consequências” do registro, como o acesso a empréstimos públicos, enquanto poucas multas foram cobradas pelo desmatamento ilegal. E o governo, apesar desse “belo sistema”, projetado para delimitar claramente a responsabilidade por parcelas de terra, tomou uma medida bem visível que aparentou ao mundo sua seriedade ao enfrentar a perda de floresta e as mudanças climáticas.

Rajão defende os incentivos para os agricultores que restaurarem a floresta perdida em suas terras, além de enfrentar o desmatamento atual e futuro. O benefício poderia ser um imposto mais baixo, comentou, ou esses produtores poderiam ter acesso especial aos mercados somente disponíveis se cumprirem essa parte da lei. Neste momento, medidas como as moratórias de carne bovina e de soja do Brasil, destinadas a impedir o escoamento da agricultura contra o desmatamento, abordam principalmente o desmatamento recente com poucas provisões para recuperar a floresta perdida antes da entrada em vigor das proibições.

Desmatamento na Amazônia desde 1988..

Ainda assim, as soluções que dependem do acesso seletivo aos mercados, como as moratórias, são vistas como uma das razões para a recente queda abrupta nas taxas de desmatamento do Brasil. Após anos de perda da cobertura de árvores, que em 2000 abrangeu 519 milhões de hectares, as taxas de desmatamento entre 2005 e 2012 caíram 76%, o que se traduziu em um corte de emissões de dióxido de carbono de 3,2 gigatoneladas. Os cientistas também atribuem essa reviravolta a outros esforços para conter o desmatamento, como o estabelecimento de parques e reservas, e o fato de apertar o crédito para agricultores que desmataram as terras de forma ilegal.

Recentemente, no entanto, o ritmo do desmatamento subiu mais uma vez. Em 2016, disparou para o seu nível mais alto desde 2008.

O registro nacional tem o potencial de proteger mais floresta e contribuir para novas reduções, escrevem os cientistas, mas apenas se o processo se mover com mais velocidade do que no momento.

“A melhor ferramenta do mundo para fazer isso é o CAR”, disse Stabile.

Em resposta ao estudo dos cientistas, o Ministério do Meio Ambiente informou que emitiu 500 multas “experimentais” em Mato Grosso, em 2016, com base no CAR desse estado, que, junto com o Pará, passou a fazer parte do registro nacional. Neste momento, o sistema está bloqueado por reivindicações conflitantes que precisam ser validadas, um processo que não será fácil, acrescentou.

“Não é uma tarefa simples”, comentou Stabile. “Eu não acho que devemos dar por certo que é algo que você poderia fazer pressionando um ou dois botões”.

O milho cresce em uma área uma vez coberta por floresta. Foto de Rhett A. Butler.

Mas, na opinião de Rajão, o momento de agir é agora.

“Se você esperar que esses conflitos sejam solucionados, será muito tarde, e haverá uma floresta muito pequena para salvar”, ressaltou.

De certa forma, acrescentou Rajão, reflete a promessa ainda não realizada do país como um todo.

“O Brasil é conhecido como o país do futuro, mas é o país de um futuro que nunca chega”, destacou, e o Código Florestal oferece uma chance de mudar isso.

“Construímos esse belo mecanismo com muito potencial”, disse em relação ao Código Florestal. “Vamos ativá-lo”.

CITAÇÕES

Imagem da faixa de desmatamento para pastagem de gado no Brasil por Rhett A. Butler.

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