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Malásia desmata reservas florestais para madeira e óleo de dendê

O estado de Perak, na Malásia, está destruindo florestas protegidas para obter lucrativos negócios com madeireiras e oleo de dendê.



Em julho de 2013, a Reserva Florestal Permanente Bikam, no estado de Perak, na Malásia, foi desclassificada, permitindo que ela fosse liberada para plantação de óleo de dendê. Tão somente após a floresta ter sido devastada é que o Instituto Florestal de Pesquisas da Malásia, (FRIM, na sigla em inglês) anunciou que lá existiram os últimos exemplares da espécie keruing paya (Dipterocarpus coriaceus) da península da Malásia; árvore grande de textura compacta, e classificada como Gravemente Ameaçada de Extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Agora, tal espécie supostamente extinta na Malásia, ainda pode ser encontrada na Indonésia.



Entretanto, a desclassificação dos 400 hectares da Reserva Florestal de Bikam não foi uma anormalidade, segundo os ativistas. Desde 2009, mais de 9.000 hectares de Reservas Florestais Permanentes foram desclassificadas no noroeste do estado, eliminando não somente árvores, mas diminuindo o número de mamíferos e aves protegidos e ainda ameaçando as bacias hidrográficas. Após décadas de desflorestamento, desde os anos 70, o estado de Perak foi deixado com numerosas áreas de florestas isoladas e de pequeno tamanho, muitas das quais protegidas como Reservas Florestais Permanentes. Todavia, de acordo com as leis na Malásia, o chefe de cada estado tem o poder de desclassificar essas reservas sem a aprovação do legislativo, sem a consulta especialistas, ou até sem fazer notificação pública. Nesse caso, os ativistas dizem que houve uma aceleração nas desclassificações no estado de Perak desde a eleição de Zambry Kadir como chefe do estado, em 2009.



Mesmo sendo pequenas e isoladas, essas florestas “ têm um alto valor”, segundo Meor Razak Meor Abdul Rahman, um oficial de campo da ONG Sahabat Alam Malásia (SAM), ou Amigos da Terra-Malásia, disse ao mongabay.com.



“As árvores, as plantas e as espécies animais ameaçadas de extinção se agarram por um fio nessas reservas florestais pequenas e fragmentadas. O que resta dessas Reservas Florestais Permanentes também costuma ser o que é de importância imediata ao ser humano: elas servem como áreas de captação de água. Ativistas e pesquisadores do solo acreditam que as pequenas Reservas Florestais Permanentes e fragmentadas são as que estão especialmente sob ameaça de serem desclassificadas por completo – o caso da Reserva Florestal Bikam foi o caso mais recente”.




Maquinário desmantando a Reserva Florestal Bikam. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.

Maquinário desmantando a Reserva Florestal Bikam. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.



O WWF (Fundo Mundial para a Natureza) na Malásia diz que se tivesse ocorrido uma avaliação dos Altos Valores para Conservação Florestal (HCVF na sigla em inglês) em Bikam, a floresta não teria sido desmatada.



“ O WWF-Malásia está no momento se engajando com o Ministério da Silvicultura e com os gestores florestais na promoção e na defesa da implementação adequada do conceito de HCVF …como parte integral das práticas de gerenciamento florestal sustentável na Malásia”, declarou um representante da ONG para a mongabay.com.



Mesmo com os 9.000 hectares de reservas florestais desclassificadas desde 2009, os ativistas dizem que mais desclassificações florestais estão prestes a acontecer. Rahman diz que a pesquisa de campo “sugere” uma possível desclassificação de outras oito reservas florestais, dentre elas a Reserva Parit, onde existe a última árvore da espécie keruing padi (Dipterocarpus semivestitus) e muitas outras espécies protegidas sob a lei da Malásia, incluindo o leopardo (Panthera pardus), o tapir-malaio (Tapirus indicus), os siamangos (Hylobates syndactylus), e o Grande Argus (Argusianus argus).



Uma outra reserva florestal importante, Tnajung Hantu, também parece estar no bloco do desmatamento.



“Essa é uma floresta serrana em área costeira que inclui uma floresta tropical úmida; essa reserva florestal em particular possui a mais rica composição florestal de Balu Laut (Shorea glauca) na Malásia, e é uma área de permanência de tartarugas,” Rahman aponta, acrescentando que também foi classificada como uma Reserva de Selva Virgem.



Ativistas também destacaram que a Reserva Natural Chior está sendo potencialmente desclassificada, muito embora o seu gerenciamento devesse recair sob a Lei de Proteção da Vida Selvagem (Wildlife Protection Act).



Troncos de madeira do desmatamento da Reserva Florestal Bikam, que será transformada em uma plantação de azeite de dendê. Foto: Meorrazak Meorabdlurahman.
Troncos de madeira do desmatamento da Reserva Florestal Bikam, que será transformada em uma plantação de azeite de dendê. Foto: Meorrazak Meorabdlurahman.


“Esse erro processual sugere que o Conselho Executivo do estado de Perak esteja tratando o assunto da desclassificação de Reservas Permanentes Florestais de modo superficial e sem muita atenção”, diz Rahman.



Parte do problema é que, em Perak, o poder de desclassificar recai, em última instância, em um única pessoa: o cabeça do estado – nesse caso, Kadir – cujo seu gabinete recusa a fazer comentários.



“Isso significa que a proposta de desclassificar uma Reserva Florestal Permanente não necessita ser posta em votação na legislatura estadual, nem precisa passar por um processo de consulta pública”, explica Rahman. O ministro-chefe pode decidir desclassificar uma [reserva] unilateralmente, optando por desconsiderar o conselho do Ministério da Silvicultura do Estado, as ONGs ambientalistas, e até indo contra as regulamentações feitas pelo Governo Federal. A decisão é tomada nas reuniões do Conselho Executivo do Estado, e os processos de tais reuniões são tratados confidencialmente”.



A maioria dos estados malaios – salvo poucas exceções – seguem o mesmo procedimento. Isso significa, essencialmente, que o Ministério da Silvicultura tem apenas um papel consultivo na tomada de decisão e, algumas vezes, nem sequer é consultado antes que uma desclassificação seja feita. Entretanto, o governo federal vem tentando mitigar as desclassificações para plantações de óleo de dendê –fato da Reserva Florestal Bikam – por meio de um decreto em 2008, determinou-se que todas as reservas não poderiam mais ser convertidas em plantações de óleo de dendê. Mas o decreto era não vinculativo e, no caso de Bikam, Perak ignorou o tal decreto.



“Essa tomada de decisão de forma unilateral é o que nós vimos acontecer na desclassificação de Bikam, onde especialistas tinham advertido antecipadamente o Dr. Zambry Kadir que a desclassificação da reserva florestal resultaria na extinção [da árvore]”, expressou Rahman, acrescentando que, “Isso tem levado a absurda situação onde o próprio Ministério da Silvicultura não tem conhecimento que uma [reserva florestal] em particular foi desclassificada.



O WWF-Malasia afirma que uma das melhores formas de melhorar o processo seria envolver o público na discussão.



Caminhão madeireiro levando toras da Reserva Florestal de Bikam destruída. Foto: Meorrazak Meorabdulrahan.
Caminhão madeireiro levando toras da Reserva Florestal de Bikam destruída. Foto: Meorrazak Meorabdulrahan.



“Atualmente, quando o público toma consciência de qualquer desclassificação, é, na maioria dos casos, tarde demais visto que a essa altura o terreno já foi alienado ou as florestas sofreram desmatamento. Na opinião do WWF-Malásia, a notificação pública e a discussão antes da desclassificação das Reservas Florestais Permanentes é um passo importante que precisa ser adotado no processo desclassificatório.



O diretor de um grupo de controle de transparência, Transparência Internacional-Malásia, recomendou em fevereiro do ano passado que “qualquer decisão para a concessão de explorações madeireiras ou para a desclassificação de reservas florestais permanentes, em qualquer estado, deveria ser feita por meio de um comitê composto por representantes de todos os partidos políticos e por todas as outras partes interessadas”.



Parte do ímpeto em desclassificar uma floresta pode ser devido ao fato que o governo estadual recebe um premio das concessionárias madeireiras quando o território é vendido para uma empresa privada. Além disso, o estado recebe impostos sobre os lucros feitos pelas madeireiras.



“Vale a pena notar, também, que a taxa de desflorestamento aumentou nos seis meses anteriores às eleições gerais e estaduais, ocorrida em maio de 2013 na Malásia”, afirma Rahman.



Apesar de Perak ter perdido muitas florestas protegidas devido às desclassificações – e ainda poderá perder várias outras – uma nova e importante reserva florestal foi estabelecida. Naquele mesmo mês, Perak escolheu a Reserva Florestal Amanjaya que cobre 18.866 hectares para um corredor da vida selvagem na paisagem de Belum-Temengor. Essa nova área protegida foi uma grande vitória para os grupos conservacionistas.



Reserva Florestal de Bikam desmatada. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.
Reserva Florestal de Bikam desmatada. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.



“ Podemos definitivamente dizer que a classificação da Reserva Florestal Amanjaya irá ajudar na conservação dos mamíferos de grande porte, especialmente os tigres, diz o WWF da Malásia.



Todavia, conforme o desfecho da Reserva Florestal Bikam mostrou, Amanjaya pode não estar protegida “permanentemente”. Se o próximo chefe de estado considerar adequado, ele ou ela terá o poder absoluto de desclassificar a Reserva Florestal Amanjaya e seguir adiante com a derrubada de árvores e as plantações. De acordo com a lei atual, não há nada seguro acerca das Reservas Florestais Permanentes malaias, que, de acordo com ativistas, são facilmente prescindíveis.



“Em vez de descartarmos essas áreas florestais por conta das suas dimensões, deveríamos vê-las como chamadas urgentes de reflorestamento que rodeiam essas localidades”, atesta Rahman.



É difícil mensurarmos a perda total dessas florestas – não importando o quão pequenas elas são – mas certamente a destruição delas está, no mínimo, causando extinções locais, destruindo bacias hidrográficas, e deixando as espécies malaias, grandes e pequenas, menos numerosas e com menos lugares para sobrevivência, e essencialmente diminuindo as populações de espécies ameaçadas como o leopardo e o tapir.



Placa inferior sinaliza a Reserva Florestal Bikam. Placa superior mostra as companhias responsáveis pelo desmatamento da floresta. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.
Placa inferior sinaliza a Reserva Florestal Bikam. Placa superior mostra as companhias responsáveis pelo desmatamento da floresta. Foto: Meorrazak Meorabdulrahman.





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